Eu dei a sorte de ter nascido numa geração que foi apresentada aos poucos a uma tecnologia em rápido desenvolvimento. Peguei uma fase ainda analógica que foi sendo automatizada com o passar do tempo. A internet já existia, mas poucos tinham conexão em casa, e no começo era internet discada, um serviço lento e caro que evitávamos desperdiçar. Além disso, as redes sociais estavam engatinhando e ocupavam uma parcela menor do nosso dia a dia, sobretudo porque os smartphones demoraram um bocado para aparecer e, quando apareceram, não chegavam perto do que temos hoje em mãos. O que eu fazia no meu tempo livre então? Eu lia, e lia muito! Ler sempre foi minha grande paixão. E também houve uma época em que eu assistia muito filme alternativo que eu baixava via torrent, quase um por dia. Mas com os anos fui deixando esses hábitos cada vez mais de lado (só lia quando era por obrigação, como os livros importantes para meus estudos), e toda vez que eu tentava retomá-los, eu não conseguia ficar muito tempo concentrado, precisando conferir a todo o momento meu celular e com um estado de alerta sutil, mas muito presente. E o que me levou a essa condição terrível foi a ascensão das redes sociais e a hiperconectividade, principalmente porque o meu trabalho depende muito das ferramentas digitais e não é algo que eu simplesmente possa me desfazer. Mas que força é essa que conseguiu destruir algo tão importante dentro de mim? Essa é a força totalitária do algoritmo, que engenhosamente trabalha para reprogramar o nosso cérebro, fazendo-o desejar constantemente uma dose de dopamina, que advém do nosso sistema de recompensa. Agora, se eu tive a sorte de nascer numa época de transição, imaginem quem tem nascido desde o momento em que celulares e internet se tornaram tão disseminados nas residências quanto a rede elétrica? Recentemente fui numa pizzaria com a família do meu esposo e passei por uma mesa com várias crianças, todas com menos de 6 anos, e cada uma estava com seu próprio celular jogando um game qualquer enquanto os pais conversavam numa mesa ao lado num lugar que tinha um belo playground cheio de túneis, piscina de bolinhas e escorregador. Pensei: “se é difícil para mim me livrar disso, como será para elas?”. Essa guinada tecnológica da sociedade tem despertado a preocupação de cientistas de diversas áreas (neurociência, educação, psicologia, sociologia, medicina e afins) que vêm estudando o efeito das telas na cognição humana, sobretudo em crianças, tanto que alguns especialistas sugerem que, até o 6 anos de idade, é preciso evitar ao máximo a exposição ao mundo virtual e, após isso, introduzir a criança a este mundo pouco a pouco, do contrário o impacto na formação neuropsicológica é extremamente danosa, gerando prejuízo ao sono, atraso no desenvolvimento cognitivo, da fala e de linguagem, ansiedade, compulsões e comportamentos agressivos. (NOBRE, J. N. P. et al. Fatores determinantes no tempo de tela de crianças na primeira infância. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 3, p. 1127-1136, 2021). Muita gente acha que o filho tem TDAH, quando na verdade apenas sofre os efeitos do excesso de exposição ao virtual.
Quando eu me dei conta disso tudo (o lado bom de viver na época das sociedades reflexivas, termo cunhado pelo sociólogo Anthony Giddens, é que somos convidados a examinar e reformar nossas práticas com frequência) e percebi meu aprisionamento, comecei a tomar algumas medidas para reverter a situação, e posso dizer que tive sucesso, embora ainda não completo, sobre esse processo de libertação. Desde 2023 tenho recuperado meu hábito de leitura e perdido a necessidade de ver notificações toda hora.
Pensando nisso, pensei em trazer algumas dicas para vocês, coisas que funcionaram para mim e talvez funcione para vocês também, ou pelo menos os inspirem a ter suas próprias soluções. O único ponto crucial e indispensável é vocês se moverem e colocarem alguma ideia em prática: a grande armadilha do hiperestímulo algorítmico é parecer inocente enquanto rouba sua vontade e sua liberdade sem resistência.
Minimalismo virtual
Será que você precisa mesmo ver todos os stories da Anitta? Todo carrossel de memes que aparece no seu feed? A vida de todo mundo que você segue no instagram realmente te interessa? Provavelmente não. Por isso, minha primeira recomendação é silenciar os stories de todos os perfis que não são tão importantes assim para você. Não precisa dar unfollow, mas não há necessidade de se inteirar de cada foto ou vídeo de quem você segue. Já parou para perceber como a gente sequer retém essas informações? Às vezes a gente vai clicando nos stories, passando um a um, por um simples vício. Por isso, mantenha só aqueles que te agregam ou de pessoas realmente relevantes na sua vida (do crushzinho do momento também tá liberado).
Ainda nessa linha, seria bacana você ter um momento específico do dia para ver as futilidades, como memes e coisas do tipo. É comum, nos instantes vagos do trabalho ou do estudo, pegarmos o celular para ocupar a cabeça. Pode parecer irrisório, mas isso fomenta esse ciclo que queremos quebrar. Aproveitar o ócio é uma tarefa que precisamos reaprender: ficar olhando a janela enquanto pensa um pouco na vida é saudável e ajuda a gente a não se sobrecarregar. Se não quiser o ócio, cogitar outra ocupação, como ler uma revista, fazer palavras-cruzadas, caminhar na praça, brincar com o gato etc.
Outro ponto a ser considerado é não cair na armadilha de ficar lendo comentários em postagens, principalmente de notícia de jornal. Isso não leva à nada! E sabem o que é pior? Às vezes pensamos que o efeito da hiperconectividade é o esfriamento das emoções, mas, por mais contraditório que seja, o que prende muita gente à internet é o ódio e a facilidade em manifestá-lo. Isso é claro quando vemos infinitas discussões improdutivas nos perfis jornalísticos, de pessoas que se atacam e não se ouvem e de pseudocríticas que escancaram a imaturidade política dos tempos atuais (a notícia é de uma baleia que encalha e o cidadão comenta “certeza que é um eleitor do PT”, “certeza que é um minion” etc). O que isso contribui com a nossa consciência? Nada, ou fazemos parte direta ou indiretamente (passando nervoso com as coisas que lemos) disso.
Desaceleração da mente
Estamos condicionados a querer informações cada vez mais depressa, por isso aplicativos como o Instagram e o TikTok fazem tanto sucesso. Quanto ao segundo, eu lembro de ter aberto uma conta e não conseguido ficar cinco minutos ali de tão rápida que era a passagem de um vídeo para outro. Isso destrói a nossa mente! Pensa que há poucos anos atrás estávamos falando da importância da meditação e hoje nunca estivemos tanto longe dela… Ficar em silêncio com nós mesmos ou concentrados num determinado assunto é um direito que nos tem sido roubado, é uma forma de nos docilizar para consumir e ficar online o maior tempo possível. Por essa razão, desacelerar é fundamental.
Mas não precisamos fazer isso apenas fora do mundo virtual: dá para revolucionar as coisas por dentro. Assistir mais vídeos no YouTube, com um conteúdo que realmente nos interessa (há muita coisa de qualidade por lá, é só saber filtrar) e em velocidade normal (sem acelerar), é uma maneira de se reacostumar a uma absorção mais lenta (e mais eficaz) de conteúdo. O mesmo para vídeos mais longos no Instagram. Uma outra opção é fazer um curso online, seja qual for. Ao mesmo tempo, evitar fast content, pois isso superestimula nosso cérebro e, a longo prazo, gera ansiedade, falta de foco, dores de cabeça e por aí vai…
Fora das redes, podemos buscar atividades diversas, de esporte à arte. Recomendo ter um hobby para se fazer dentro de casa, como crochê, bordado, jogar xadrez, escrever haicai, cozinhar receitas diferentes etc. Também vale muita a pena ir ao cinema e ao teatro uma vez ao mês, geralmente há filmes e peças gratuitos promovidos pela cidade, pelo SESC ou alguma universidade próxima. Esses dias fui a teatro (que já frequentei MUITO no passado) e pensei: “meu Deus, como fiquei tanto tempo longe disso????”
Reeducação da mente
Uma superdica que eu dou para mudar os percursos da sinapse (eu nem sei se isso faz sentido, considere apenas como estilística do texto) é aprender um idioma diferente! Aprender uma nova língua não é apenas um ganho cultural e intelectual, mas uma forma de ampliar sua visão de mundo, afinal a linguagem está associada ao entendimento da realidade. Uma simples ilustração disso é pensar que nós chamamos a ave Trochilidae de “beija-flor” (fazendo uma alusão ao pássaro tomando o néctar) enquanto em inglês se diz “hummingbird” (fazendo uma alusão ao som do bater das asas). Esse exemplo mostra como cada falante entende o pássaro de uma forma.
Assim, aprenda um idioma e faça isso sem autocobrança ou pretensão de ser fluente. Eu, por exemplo, tenho aprendido mandarim (amo a cultura chinesa), mas eu mal falo inglês direito, então a minha ideia é simplesmente me familiarizar com a língua e, quem sabe, um dia viajar para a China sem me perder.
Magia & espiritualidade
Um conceito muito importante para os praticantes de magia é a Vontade. Não estamos aqui falando de meros desejos (“ai, que vontade de comer um doce!”), mas de algo que parte do nosso Espírito e nos direciona a assumir nossa vocação e liberdade. O mundo é expert em minar nossa Vontade, seja nos colocando em caixas, nos empurrando dogmas e medos, nos fazendo trabalhar insanamente ou cerceando nossa mente com propagandas, manipulações e algoritmos. Cabe a NÓS revertermos isso.
Um dos caminhos possíveis é a nutrir a alma e o espírito através da inspiração. Não aquela que vem naturalmente, mas daquela buscada a partir de uma rotina de exercícios ritualísticos. Isso deve ser feito segundo as suas afinidades, que serão conhecidas a partir da experimentação. Para alguns, a yoga e a meditação, para outros, orar num templo, tomar um passe, ir no terreiro etc. Mas eu particularmente sugiro incluir algo ativo, ou seja, não só receber um passe, mas fazer alguma movimentação energética que parta de você. A magia, seja ela qual for, é uma ótima opção, porque ela exige de nós um tipo de disciplina que nada tem a ver com castração, mas como exercício da vontade, afinal ninguém vai obrigá-lo a fazer magia como somos obrigados a ir na igreja, e manter o ritmo na rotina é algo que exige força interior.
Espero que essas sugestões ajudam você em seu caminho. Se você concorda que precisamos oferecer resistência a essa onda, considere compartilhar este texto. Obrigado pela sua atenção!
Guilherme de Carli
Estude Astrologia Tradicional comigo! Saiba mais: https://linktr.ee/nodonorteastrologia
Amei o seu post, me senti contemplada em muitas ideias! Onde posso me informar mais sobre a prática de magia que você menciona?
Obrigada :)